O que vai mudar com a reforma política aprovada no Congresso

O que vai mudar com a reforma política aprovada no Congresso

Depois de meses de debates, idas e vindas e acordos costurados nos bastidores, uma reforma política foi aprovada a toque de caixa por parlamentares da Câmara e do Senado.

Não se trata de um pacote fechado de medidas, mas várias propostas de emenda à Constituição votadas separadamente pelas casas, e combinações feitas para que o presidente Michel Temer vetasse os pontos com os quais os deputados e senadores não estavam de acordo.

As medidas precisavam ser aprovadas pelo menos um ano antes da eleição seguinte para que pudessem valer já no mesmo pleito.

Segundo o advogado Fernando Neisser, essa lógica de aprovar as mudanças sempre nas vésperas de um novo pleito faz com que as reformas acabem ficando aquém do necessário. “Ninguém é ingênuo de esperar que deputados e senadores aprovem medidas que vão prejudicar os próprios mandatos”, comenta.

No entanto, no saldo final, a maioria das medidas foi positiva, para Neisser. “Quando aprovaram o fim das coligações para 2020, a maioria dos comentários foi de crítica, mas eu achei que foi melhor que o esperado. Pra 2018 não ia sair de jeito nenhum, mas já ter para 2020 é um grande avanço”.

Veja o que foi aprovado:

Cláusula de barreira

A proposta aprovada pelo Senado aumenta progressivamente a obrigação que os partidos têm de obter votações expressivas em todo o país para ter acesso ao fundo eleitoral.

Em 2018, para que um partido garanta acesso ao fundo e ao horário gratuito de rádio e TV, ele terá que obter 1,5% dos votos válidos a deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados.

Em 2030, a cláusula chegará a 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 2% em cada um deles.

A medida visa acabar com os partidos nanicos, que existiriam apenas para formar coligações com siglas maiores, oferecendo-lhes o tempo de TV e abocanhando recursos dos fundos partidários.

Fim das coligações

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) proíbe as coligações nas eleições de deputados e vereadores a partir da eleição de 2020.

Além disso, estabelece uma cláusula de desempenho como condição para que os partidos tenham acesso a recursos e a tempo de televisão e rádio.

Na prática, as coligações permitem que partidos nanicos, sem candidato próprio, doem seu tempo de televisão para os candidatos de partidos grandes.

“Junto com a cláusula de barreira, poderíamos reduzir o número de partidos de 14 para cerca de 7 ou 8. A pulverização é um dos principais problemas para conseguir governabilidade no Brasil”, diz Neisser.

Fundo eleitoral

A proposta de criação de um fundão público eleitoral foi uma das que passou por mais discussões: chegou-se a cogitar uma reserva de até 3,6 bilhões de reais, mas o texto aprovado, no final, ficou em 1,7 bilhão de reais para as próximas eleições.

Na prática, esse valor não vai representar um limite máximo para o fundo, mas mínimo, já que o texto especifica que o fundo será “ao menos equivalente” às duas fontes estabelecidas pelo projeto.

Além desse fundo eleitoral, criado agora, continua vigorando o fundo partidário, que terá um orçamento de cerca de 1 bilhão de reais para o ano que vem.

Fernando Neisser, no entanto, acredita que o fundo poderia ter sido criado com mais exigências para os partidos.

“A gente sabe que a democracia tem um preço, campanha precisa de dinheiro, e já decidimos que não é bom que empresas paguem. Eu acho o fundo positivo, sim. Mas podia ter atrelado a distribuição desse dinheiro a exigências de transparência, de igualdade de gênero dentro dos partidos, para que eles sejam mais democráticos”, afirma.

Candidatura atrelada ao partido

A lei aprovada vetou as candidaturas avulsas, e manteve a obrigatoriedade de que os candidatos estejam vinculados a partidos. O tema também está sendo analisado no Supremo Tribunal Federal, mas Neisser afirma que uma decisão favorável do STF, a essa altura, seria temerária.

“É um tema legítimo para o Congresso debater, não o STF. Do jeito que o sistema eleitoral brasileiro está configurado, é todo em torno da lógica partidária. Como você vai distribuir tempo de TV para uma candidatura avulsa? Como vai punir um deputado se ele trocar de partido e ao mesmo tempo permitir que alguém seja eleito sem partido?”, questiona.

Propaganda na internet

A reforma política libera as campanhas pagas pela internet, exclusivamente pela modalidade de “impulsionamento de publicação” – quando a pessoa ou empresa paga o provedor (Google, Facebook) para que sua postagem tenha um alcance maior.

Também permite que os candidatos comecem a arrecadar recursos por crowdfunding a partir de maio, quando os partidos já podem definir as candidaturas. O acesso ao dinheiro, no entanto, só poderá ser feito em agosto, quando a campanha está efetivamente autorizada.

“Achei uma ótima sacada do Congresso. Se você começar a pedir dinheiro em agosto para uma eleição em outubro, não dá tempo. Essa medida foi uma ótima sacada”, opina Neisser.

As propostas vetadas por Temer:

Censura sem ordem judicial

Uma emenda do deputado federal Áureo, do Solidariedade, permitiria que qualquer conteúdo compartilhado nas redes sociais durante período eleitoral fosse apagado num prazo de 24 horas, caso trouxesse informações falsas ou ofensas a um partido ou candidato, sem nenhuma determinação judicial.

O próprio deputado se disse arrependido pela emenda, e pediu para que o presidente Michel Temer a vetasse.

Autofinanciamento

Um descuido dos senadores acabou com a permissão de que os candidatos injetem dinheiro próprio nas campanhas sem qualquer restrição.

Na nova redação, os políticos ficam sob o mesmo teto permitido para qualquer pessoa física, de até dez salários mínimos (pouco menos de 10 mil reais).

Um artigo retirado pelos senadores impunha um limite de R$ 200 mil, e a intenção era retirar essa regra específica, apenas. Porém, com isso, ficou valendo, para os políticos, a regra geral de pessoas físicas.

“Manter um limite de financiamento de 9.600 reais é querer ser mais realista que o rei. Você atende a um clamor da opinião pública para deixar a campanha mais barata, mas, se o limite máximo for muito baixo, vai começar a entrar dinheiro sujo. Se não é das empresas, vai ser do crime organizado, o que é muito perigoso”, comenta Neisser.

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